Damião Ramos Cavalcanti

Enquanto poeta morrer, a poesia haverá de viver

Textos

                                                             DESGRAÇAS NAPOLITANAS                                                

        Explicou-me o taxista Genaro, a caminho de Herculano, que “se o sangue de São Genaro não se liquefizer na custódia, ocorrerão desgraças”. Curioso sobre esse propalado milagre do padroeiro napolitano, perguntei-lhe que desgraças seriam essas. A que respondeu, como se fosse lição de catecismo: “ – Uma das três desgraças: doença de morte, o Napoli perder o “scudetto” ou a erupção do Vesúvio”. Verifiquei que, hoje, a majestosa Pompeia parece ser indiferente ao temor de Genaro e ignorar o que lhe sucedeu em 24 de agosto do ano 79 depois de Cristo. Seus habitantes, de rica e prazerosa vida, foram tomados de surpresa por uma chuva de lavas e pedras quentes como o fogo, que variavam em centímetros até oito metros de tamanho, caídas a quilômetros do céu. E assim a cidade ficou soterrada por vários metros de depósitos vulcânicos até o século XVI, quando descoberta pelo arquiteto Domenico Fontana. Para sua história restaram, sob escombros, casas luxuosas, uma população abastada e de luxurias como nos conta Petrônio no seu romance Satyricon, e também a mãe que amamentava o filho, o cachorro preso à corrente e as três mulheres que oravam a Dioniso na Vila dos Mistérios, todos transformados em estátuas de pedra. Depois dessa maior tragédia, o Vesúvio voltou, trinta vezes, em menores violências, a expelir suas lavas de lama, fogo e gás letal.
        Vi na mídia também indiferença nos olhares vagos do Haiti, caminhando nas ruas sem destino, caminhando por caminhar entre cadáveres estendidos na rua, sem saber aonde ir. Na verdade, é um povo sofrido de sugadoras colonizações, das quais herdou pouco sangue e coragem para se repor de pé e crescer. Sobre esta economia anêmica e promessa de transfusões, li neste Jornal que “o Haiti levará 25 anos para se recuperar”, enfrentando ameaça de possíveis abalos sísmicos, já quarenta vezes acontecidos naquela ilha.
       Tal qual a população de Pompeia que, sem o temor de Genaro, voltou a viver no mesmo lugar, desafiando o Vesúvio, o povo haitiano, como que, por força, tivesse se habituado ao sacolejar dos terremotos, permanece na sua terra, reconstrói suas casas e caminhará mirando o seu solo, que já tremeu tantas vezes na sua história. E assim viverá à espera, como Genaro, da proteção divina. Afinal de contas, dessas catástrofes da natureza qual humano nos livrará? A esse respeito, com fé e esperança, nós, napolitanos e haitianos, jamais tomemos a Providência por acaso, tampouco consideremos o acaso, providência ou senhor da natureza.
Damião Ramos Cavalcanti
Enviado por Damião Ramos Cavalcanti em 31/01/2010
Alterado em 31/01/2010


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