Damião Ramos Cavalcanti

Enquanto poeta morrer, a poesia haverá de viver

Textos


 


Button e a irreversibilidade da vida

No nosso quotidiano, ouvimos uma sentença comum a todas as faixas etárias: “Ah! se eu tivesse essa idade”. Dentre tantos motivos, manifesta a criança, mesmo que não a verbalize, a pretensão de ser mais alta do que o irmão maior para alcançar a prateleira, onde estão escondidos os doces da casa; lamenta a mulher adulta não ter mais, como antes, o poder de atração feminina; reclama o idoso a falta ou a diminuição das suas energias, que vão se esvaindo com o passar do tempo. Também o jovem deseja, sensatamente, com certa ansiedade, a experiência e a sabedoria dos mais velhos. Mesmo se sabendo que somente “com a idade, a gente se torna sábio” ou originalmente: avec l’âge, on devient sage.
Boa parte das explicações relativas a essas lamúrias, como também às vantagens e felicidade de cada idade, está na obra “Idade, sexo e tempo” do então invejável idoso, Alceu Amoroso Lima. Esse tema, seja em forma de lamentação, anedota ou até de filosofia existencial, sempre ocupou a minha reflexão. Por isso, ao escutar o anúncio do filme “do homem que já nasceu velho e virou jovem”, sentei nas primeiras fileiras do cinema para satisfazer a minha curiosidade. Afinal de contas, é inevitável escapar dos sonhos e desejos malsofridos da natureza humana.
O filme “O curioso caso de Benjamin Button” começa abruptamente com o estapafúrdio nascimento de um ser humano já envelhecido. Esperava que o enredo fosse mais condescendente com a natureza e que, a partir de uns noventa anos, a cada doze meses, o protagonista (Brad Pitt) rejuvenescesse um ano. Mas, como já nascer tão envelhecido? Encontrei somente uma razão para esse roteiro: ocasionar o espanto e a rejeição paterna ante aquela cromossômica anomalia.
Ao contrário das minhas reflexões, os problemas mostrados nas cenas são decorrentes de uma pretensa positiva progressão, quando logicamente Button estava vivendo um processo de regressão e situações vexatórias, na sociedade atônita com aquele fenômeno inusitado. A minha maior decepção ocorreu quando conclui que aquele processo regressivo não significava perda; mas, ao contrário, evidente ganho. Como vulgarmente se considera o assunto, Button, ao rejuvenescer, readquiria vantagens, especialmente as biológicas, em um corpo sempre mais cheio de energia, mais disposto, belo e lépido. Contudo, isso aconteceu sem maior tempo de vida, visto que tudo se esgotaria, depois dos dois últimos anos, na idade zero. Enfim, a trajetória do roteiro não objetivava a imortalidade.
A propósito do filme, lembro uma analogia, usada na França, segundo a qual, retiradas as folhas, deve-se chegar ao coração da alcachofra, ao “coeur d’artichaut”. Esse surrealismo poderia, a meu ver, atingir o substancial dessa filosófica questão: a regressão das nossas idades significa perda de tudo aquilo que observamos, experimentamos e aprendemos com o passar do tempo. Assim, quem, ao contrário da árvore, passa da velhice à juventude, perde tudo o que adquiriu na duração ordinária da vida. Em consequência, quem puder, regressivamente, metamorfosear-se sofrerá, com certeza, constrangimentos, frustrações e insuportáveis angústias existenciais. Sobre isso, o filme se cala, exaltando apenas as frívolas vantagens biológicas, da aparência, do prazer e da vaidade. Se for verdade que “quanto mais vivemos, mais aprendemos”, à medida que voltássemos ao início da nossa vida, inverteríamos esse bom senso popular para afirmar: quanto mais vivemos, mais desaprendemos
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Damião Ramos Cavalcanti
Enviado por Damião Ramos Cavalcanti em 20/06/2010
Alterado em 12/12/2010


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