Damião Ramos Cavalcanti

Enquanto poeta morrer, a poesia haverá de viver

Textos



            FERNANDO PESSOA NA RUA
          
         Quase todos os dias, ele passava em frente as casas: uma mão no bolso vazio, a outra segurando, entre os dedos, seu interminável cigarro, vício confesso no poema Tabacaria. Fitava o chão como quem contasse os sinais da calçada que faltavam para chegar ao seu costumeiro bar. Nada pedia no balcão; já se sabia servi-lo de forte e repetido café. Dizia-se que tal mania o mantinha acordado até as últimas horas das noites indormidas. Escrevia, transparecendo que as noites indormidas eram fazendo companhia à sua Musa. Mas, na rua, todos sabiam da sua quotidiana vigília diante dos livros, com o seu companheiro cigarro e a longa garrafa de café que, de cheia, logo se tornava vazia. Absorto, quando ouvia, levantava a cabeça aos cumprimentos de uma “boa tarde” na sua vespertina caminhada. 
          Em Lisboa, Jackson, Célia, Maria Luiza e Maria João não deixamos de fazer semelhante caminhada para, sem marcar encontro, sentarmos ao lado de Fernando Pessoa, num dos seus costumeiros bares: A Brasileira, na Rua Garret, do Chiado, deliciando uma “tosta-quente” e  saboroso café. Poetas acordam assim; saem à rua e caminham assim; vestem-se de modo parecido, paletó como o de Caixa Dágua, com idênticos hábitos talvez para reservar a criatividade ao exercício dos versos. Vez ou outra, Fernando Pessoa dividia presença com o histórico café Martinho da Arcada, na Praça do Comércio, no Baixa-Chiado da cidade onde nasceu e morreu. 
       
Como Augusto dos Anjos, muitos poetas morrem cedo. Excetuem-se os agraciados pela longevidade, como recentemente o paraibano Ascendino Leite e o português Saramago. Há 122 anos, Fernando Antonio Nogueira Pessoa, filho do funcionário público Joaquim Pessoa, musicólogo e cronista e da intelectual Maria Madalena Nogueira, nasceu no dia 13 de junho. Amou Ofélia que, ao contrário do poeta, desejava-o como o seu homem “cotidiano e tributável”... Com o falecimento da mãe, em 1925, deu pressa à morte, entregando-se a uma vida solitária, com bebidas, fumo e tertúlias. Encontrado inanimado por uma crise hepática, entra em coma até o último suspiro. Morreu como viveu: sozinho, pedindo seus óculos, no dia 30 de novembro de 1935. Sempre citado junto a Picasso, Stravinsky, Joyce, Braque, Le Corbusier e Chaplin como um dos grandes artistas do século. A meu ver, depois de Camões, o maior poeta lusitano.
Damião Ramos Cavalcanti
Enviado por Damião Ramos Cavalcanti em 23/06/2010


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