Damião Ramos Cavalcanti

Enquanto poeta morrer, a poesia haverá de viver

Textos


          O AVIÃO E O PÁSSARO

          O voo do avião não é igual ao do pássaro. Graças a Deus, não bate as enormes asas; não pousa nas árvores; nem levanta-se das flores; não afaga as nuvens; nem canta nos céus. Movimenta-se sem vida. Não me critique, caro leitor, se lhe falo do óbvio, o que me pede o verbo voar, parecendo-se equívoco. Ambos voam, mas, no alto, somente a poesia os distingue, por lá, “ogni ucello canta il suo verso” (cada pássaro canta seu verso). Vez ou outra, você próprio é alertado pela amada: - Estava pensando em quê? Mesmo respondendo “em nada”, lá vem a insistência: - Você estava voando. Não podendo esconder-se da intuição feminina, você sorri, reconhecendo que voava por outro mundo, por outras galáxias e até em companhia de outras pessoas. Assim também usava da analogia o Professor Padre Juarez Benício, nas aulas de Ética Geral: - Voando, hein? E assim o verbo é usado em variados significados: voam-se e voam em diversas circunstâncias de tempo e espaço. 
          Minha mãe Lia também corrige as bisnetas Taís, Rebeca, Nicole e Vitória, quando usam a linguagem das suas turmas na escola, dizendo adorar sorvete de creme com morango: - Minha filha, só se adora a Deus! Perdoem-me os pilotos, astronautas e feitores dessas complicadas naves, pois é, só quem voa é o pássaro. Foi e sempre será assim, desde a criação da natureza, dos alados de asas vivas. Da natureza, o homem, se não cria, inventa coisas diferentes com qualidades e características semelhantes. A semelhança é apanágio, mas, no avião com asas, bico, cauda e voando, jamais haverá a beleza de um pássaro. 
         A dez mil metros de altura, não pretendo ofender o avião. Prudentemente, digo, à voz alta, que admiro como ninguém a tecnologia do voo. Confesso acompanhar as astronaves partindo da terra, ultrapassando nuvens e estratosfera, para acoplarem precisamente à estação orbital como se fosse o dedo da mulher rendeira no minúsculo dedal. De lá, homens de várias nações, unificando línguas, costumes, em promessa como peregrino, retornam à terra mãe. A crônica chega ao fim, o comandante inicia os preparativos para o pouso. Daqui a pouco, a máquina terminará seu voo. Mas, vejo nenhuma gaivota. Afugentadas, temem o assobio sibilino das turbinas. Saio dos céus mais do que convencido de que um avião é um avião e, sobretudo, de que somente os pássaros voam.
Damião Ramos Cavalcanti
Enviado por Damião Ramos Cavalcanti em 21/07/2010


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