Damião Ramos Cavalcanti

Enquanto poeta morrer, a poesia haverá de viver

Textos


Admirável Cronista
 
          O cronista que admiro não tem pose de escritor. Provocando respostas, entra nas conversas que encontra nas ruas, nas calçadas, nos bares, nas feiras e filas da vida ou onde quer que esteja, com peculiar desembaraço, e sai sempre com a sua simplicidade maior e com a ideia objeto do seu texto. Sai diferente, tal qual como predisse Heráclito: nossos pés nunca serão lavados no rio pelas mesmas águas... A rua enriquece o cronista, muito mais, o romancista. O professor José Jackson sempre me relembra que foi do meio da sua gente, lendo notícias policiais, onde Dostoievsky colhia matéria-prima para suas crônicas, conhecidas por “Uma Testemunha Ocular”.
 
          O cronista, às vezes, se sente engessado quando lhe entregam “tema de encomenda”. No supermercado, uma educadora esteve a exigir: “Não é possível que você, sempre dedicado à educação, não escreva sobre o fechamento das escolas públicas". Como outros assuntos, este já é de conhecimento popular; sentido pela mãe à porta da escola, de mãos dadas com os filhos na hora da matrícula, diante do aviso “não há vagas” ou “escola fechada”; e analisado pelo bom senso, mediante a interrogação: Precisam as crianças e os jovens de escolas? O cronista prefere a isso casos desconhecidos, fatos escondidos ou esquecidos. Isto se reflete nas palavras de Erico Veríssimo: “O menos que um escritor pode fazer, numa época de atrocidades e injustiças, como a nossa, é acender a sua lâmpada, fazer luz sobre a realidade do seu mundo, evitando que sobre ela caia a escuridão, propícia aos ladrões, aos assassinos e aos tiranos. Sim, segurar a lâmpada a despeito da náusea e do horror”, como também das perseguições à liberdade de expressão. Com sofismas,  estrategistas de marketing político cunharam a expressão “notícia requentada”, para ninguém rever o escândalo que incomoda ou criticar a impunidade ao crime, ao furto ou a qualquer gênero de corrução.

          A inspiração preferível  é aquela que, em tal circunstância,  grita mais alto  ao cronista e sempre vindo espontaneamente do quotidiano, valorizando situações , às vezes corriqueiras, da cultura do dia a dia. Sobrariam ao cronista suas elucubrações? Sim, as profundas e férteis, à medida que fecundem um texto coerente, compreensível e agradável. O cronista admirável se distingue do homem de notícias por não dissimular sentimentos e imagens poéticas, realces da  crônica. Porém, atento à admoestação de Veríssimo, safando a escuridão  de uma escuridão mais escura.

 

 
Damião Ramos Cavalcanti
Enviado por Damião Ramos Cavalcanti em 19/01/2012
Alterado em 22/01/2012


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