Damião Ramos Cavalcanti

Enquanto poeta morrer, a poesia haverá de viver

Textos


As vírgulas mudam tudo
 

       Lembro-me das aulas de leitura do Professor de Português, Flávio Colaço: “Leia devagar, alto e explicado, observando a entonação que a pontuação exige”.  E, de tanto exercitar essas instruções, vivo a desejar leituras que dão vida ao texto. Mas, alguns professores, ao ensinarem a arte da leitura, devem ter recomendado só parar para respirar quando se encontrar vírgula ou ponto. Daí, certamente, se propagou que “vírgula é pausa para respirar”.  Ora, se assim o fosse, texto sem vírgula seria leitor sem fôlego. Ou o asmático colocaria mais vírgulas do que as existentes, a cada instante do seu cansaço. Também esse uso incorreto de vírgulas constaria nos tratados de pneumologia ou nos livros de yoga que nos ensinam a respirar... Enfim, normas de pontuação não foram elaboradas em função da respiração, mas para darem sentido às sentenças como instrumento sintático e estilístico.

       A língua espanhola usa, nas sentenças interrogativas ou exclamativas, duplo sinal de interrogação ou de exclamação: um antes e outro depois da sentença para evitar que se entone uma afirmação quando se trata de uma pergunta.  A variação do tom é de tal importância que as línguas tonais, no extremo oriente, dão significação ao termo pela entonação com que é pronunciada a palavra. Por aqui, mostra-se enjoativa e incompreensível a leitura de monótona entoação, cansativa, retirando vida e beleza do texto escrito. 

       Também tenho lido convites oficiais, de todos os poderes, com o erro crasso de separar o sujeito do verbo: O poder, convida (...). Verifique como a vírgula, conforme o lugar em que se coloque, modifica a oração: Joaquim, come! (sentença imperativa, onde Joaquim é o vocativo); Joaquim come (sentença declarativa, onde Joaquim é o sujeito). Pior quando a vírgula transforma o “gourmand” em antropófago: de “Gosto de comer, amigos” para “Gosto de comer amigos”. O desdém à pontuação e a outras regras gramaticais vem dominando a linguagem da mídia. Há erros que desrespeitam notícias, convocações e discursos, esvaziando-os de seriedade; além do mais, ensinam o errado a milhares de radio-ouvintes ou telespectadores, desfazendo o laborioso trabalho das escolas. Imaginemos o mau serviço que presta, ao propagar pela mídia, uma Secretária entrevistada cometendo abusos como: “Tu é, tu deve, tu fala (...)”; e, um Secretário: ”A tabela vareia”.  Nesses casos, nem varia a tabela, nem o desconhecimento, nem o mau trato à língua pátria. Dizer bem, na forma correta e adequada, não raro, diz melhor e mais seriamente  a verdade.

Damião Ramos Cavalcanti
Enviado por Damião Ramos Cavalcanti em 23/02/2012
Alterado em 25/02/2012


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