Damião Ramos Cavalcanti

Enquanto poeta morrer, a poesia haverá de viver

Textos


A fábula da eleição e um humano rouxinol
         
 
          Quando adultos iniciam um período eleitoral, esmeram-se para que suas qualidades sejam postas à prova.  A cidade ganha vida agitada pelo sussurro dos cochichos, o grito das propagandas, a escolha das palavras, o disfarce das manobras, a batalha das intrigas e a intuição dos palpites nas judiciosas apostas. Na consciência dessa realidade, sonhei que os animais, e somos dessa natureza, certo dia, desejaram trocar o regime monárquico da força do leão por uma república, na qual até as laboriosas formigas tivessem vez. Afinal de contas, elas eram muitas e, comparando-as com os outros bichos, elas e as abelhas serviam à floresta como exemplo de trabalho e organização.
        
           De repente, iniciou-se, na mata, um tumulto sem precedência. Os leões, dispostos a derramar sangue, logo se apoiaram nos tigres, panteras e todos os felinos, contra a astúcia da raposa, o constructo dos cupins, a teimosia do burro, a recusa do bode, o cosmopolitismo dos ratos, o mau cheiro do gambá, o veneno da cobra, a força do elefante, a reflexão da coruja, o pacifismo da pomba; enfim, cada animal com sua habilidade de luta. E se sucederam as batalhas; fabulosas, mas reais, porque é assim que, na floresta, a desorganização da sobrevivência busca a organização da sociedade. Certa manhã, no alto de uma árvore, pousa a doçura do rouxinol e, sem desagradar à patativa, canta sua melodiosa habilidade. Calaram-se os papagaios, as araras, ao escutar as palavras da jovem passeriforme.

          Era Fátima Bezerra. Veio logo cedo a Arapuan, para ocupar, com o consentimento do padre Levi e de Otinaldo Lourenço, o “Horário Gratuito” dos candidatos que ainda dormiam ou tomavam café. Temperou a voz, dizendo: “Minhas Senhoras, meus senhores, eu sou menor de idade, falo aqui sobre um homem bom, justo, honesto e amigo do povo. Ele não veio porque não pôde, mas suas qualidades conheço bem, ele é meu pai, seu nome é Waldir Bezerra”. Com a repetição desse canto, no lugar dos candidatos ausentes, ganhou a luta na selva política, elegendo o pai como deputado estadual. Suas habilidades artísticas, ensinadas pela mãe e tão descritas no seu belo discurso de posse na APL, desenvolveram-se, e hoje vai além do rouxinol. Há quem diga que Waldir Bezerra foi visto, na vetusta Academia Paraibana de Letras, ladeado por Crispim, Mariana e Dorgival, mussitando, em voz calma e doce: “Fátima Bezerra muito deseja conviver com vocês e aprender nesta Casa na qual confio. Eu conheço suas qualidades, ela é minha filha”.

 
Damião Ramos Cavalcanti
Enviado por Damião Ramos Cavalcanti em 29/09/2013
Alterado em 30/09/2013


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