Damião Ramos Cavalcanti

Enquanto poeta morrer, a poesia haverá de viver

Textos



 
Brinquedo é coisa séria
 
          Desde quando Pierre andou dizendo que menino é brinquedo de adulto, comecei a refletir que brinquedo é também assunto muito sério. Mas, pensei: Menino é mais do que brinquedo; não teria sido Pierre, na infância, apenas um brinquedo... Embora que os adultos sempre considerem suas coisas muito sérias, até uma pelada é importante; mas quando se trata de uma partida de futebol praticada pelas crianças, os pais dizem: “Coisa de criança...”; assistem ao jogo “enfadonho” como dever designado pela mãe para tomar conta do filho; quando podem, escalam o motorista para esse serviço, mesmo se o filho é tido como artilheiro do time... Neste 2014 brasileiro, imaginei uma Copa do Mundo Infantil, indagando-me se haveria dispendiosas transmissões, torcidas, camisas e bandeirolas.
          Quando fiz o Curso de Direito, notei que as aulas sobre o Direito da Criança eram ouvidas pela maioria como meros avisos, sem aquela atenção dedicada às leis que tratam dos direitos e dos crimes dos adultos. Talvez, por isso, até mesmo os pais não respeitem tanto os direitos elementares dos filhos, como a “Pensão Alimentícia”, negligenciada pelos pais separados e, relativamente, também menoscabada por alguns “doutos” juízes. Se menino fosse “brinquedo de adulto”, então brinquedo deveria ser considerado uma coisa seríssima...
          Mas, brinquedo tem seu valor, e me parece que quanto mais o brinquedo for fruto da imaginação, quanto mais criado pela criança, mais ele goza da intimidade da criança. Assim, perfeitas bonecas de porcelana se assemelham à coisa de adulto...  Lembro-me bem do meu cavalo, com que passeava nas calçadas de Pilar, e quando brincava com ele entre os matos rasteiros do quintal, sentia-me fazendeiro, contando bois nos currais de sabugo. O cavalo Valente era apenas um cabo de vassoura com uma rédea de cordão barbante. No entanto, aquele cavalo corria, cansava, dormia, acordava, comia capim e bebia água nas poças das ruas esburacadas. Tão real era também, no período junino, a família da morena Ritinha com suas loiras filhas: Espigas de milho lourejadas com cabelos alourados.  Se qualquer espiga tivesse doença ou cor estranha feita pela lagarta, então, de repente, ali mesmo se formava um médico para dar-lhe devido cuidado. Somente adultos cheios de embófia reduzem essa riqueza ao menosprezo da costumeira expressão: “É coisa de criança...” Nada a criança responde, mas no seu íntimo, grita um tímido silêncio: “Sim, é de criança, e daí?”. Adultos desse tipo não mereceram brinquedo de criança e jamais criança de brinquedo...

 
Damião Ramos Cavalcanti
Enviado por Damião Ramos Cavalcanti em 02/07/2014
Alterado em 06/07/2014


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