Damião Ramos Cavalcanti

Enquanto poeta morrer, a poesia haverá de viver

Textos


Conto Sagrado de um Pecado Laico

 
          Via-se diante de um paraíso de tesouros. Ele sozinho, somente ele e o ouro. Baús e mais baús abertos, extravasando-lhe riqueza. Achegando-se a serpente, as íris dela de cores mefistofélicas enfeitiçaram seus olhos, enchendo-os com olhares de cobiça, de desejo de possuir tudo aquilo para si. E, pensando que ninguém estaria a ver o seu furto, começou a encher os bolsos e o interior da sua roupa. Perdeu-se na ganância e raciocinou: Não cabe mais, voltarei para retirar o resto. Pensava ele que os outros não existiam e que era único e estava sozinho... Rindo, furtivamente começou a sair.  De repente, a Consciência o surpreendeu: “Por que te escondes?” E ele respondeu: “Tive medo, estou nu e me escondi”. A Consciência o advertiu: “Estás vestido, o que fizeste te fez sentir nu, porque estás a desfrutar do proibido, da árvore que não te pertence”. Quis o corruto justificar que teria sido a serpente que o induziu a provar do fruto proibido e, dizendo-se seduzido, furtou do erário sagrado.

          A Consciência lhe esclareceu que o desvio do destino daquelas sagradas riquezas traria más consequências: mortalidade infantil; hospitais sem remédios; doenças incuráveis; má educação e professores injustamente remunerados; falta de estradas e transporte, e o combate à violência não atenuaria roubos, assassinatos, drogas e outros males de um mundo em convulsão.  “Quanto a ti, mesmo vestido - disse-lhe a Consciência - sentir-te-ás eternamente nu, e todos espiarão na tua cara tua má conduta; as moedas farão parte do teu corpo como verrugas brilhosas; todos esses castigos porque escutaste a voz da Corrução”.  O corruto, indiferente ao medo e ao castigo, andando pelas ruas, mesmo vigiado aos olhos da censura, declarou-se inocente. Por fim, a Consciência o admoestou: “Deverás comer o teu pão com o suor do teu rosto”.

          Desde o Livro de Gênesis, cometem variada tipologia de crimes: matar por matar, por ciúme ou inveja, por dinheiro, por canibalismo; matar para estuprar, como “brigadeiro” de aniversário; surripiar pensão alimentícia; matar para sepultar eventuais informações; matar com finalidade política; arrombar caixas eletrônicos e tantos outros assaltos ao bem privado. Mas, desses assaltos, nenhum deveria causar maior asco do que a corrução ou o vilipêndio do bem do povo.

http://www.drc.recantodasletras.com.br/visualizar.php?idt=3623473

 
Damião Ramos Cavalcanti
Enviado por Damião Ramos Cavalcanti em 20/04/2012
Alterado em 20/04/2012


Comentários

Site do Escritor criado por Recanto das Letras
http://www.drc.recantodasletras.com.br/index.php